08/12/2023 – A fisiologia de produção de energia no músculo para a prática do tênis de mesa é um aspecto relevante a ser analisado. Assim como um carro utiliza a combustão para produzir o movimento, nosso corpo utiliza carboidratos (glicose e glicogênio), gordura e proteínas de alta energia que nos permitem desempenhar atividades físicas. Mas, para que isso ocorra, diferentes sistemas metabólicos precisam atuar.
Em nosso corpo, o uso desses substratos (“combustíveis”) e das vias metabólicas que os utilizam depende da intensidade e da duração do exercício. Em uma descrição temporal em ordem de predominância durante um exercício contínuo, o primeiro metabolismo bioenergético é o metabolismo de fosfato de alta energia (ATP-CP), que tem duração principal de aproximadamente 15s. Após o sistema ATP-CP reduzir sua capacidade funcional (após ~15s), o metabolismo glicolítico (anaeróbio glicolítico) passa a ser o principal, utilizando o carboidrato, e tem atividade até por volta de 45s a 1 minuto.
Finalmente, por último e em esforços de intensidade moderada ou menor, temos o metabolismo oxidativo, também chamado de aeróbio, que inicia como principal a partir dos 45-s a 1-min com o uso do carboidrato, após aproximadamente 10-15min começa a fazer uso principalmente das gorduras, e atua até o término do exercício. No entanto, além desses sistemas trabalharem integrados, mas com diferentes percentuais de contribuição, essa ordem pode ser alterada de acordo com a intensidade de exercício (intensidades altas levam aos sistemas ATP-CP e glicolítico).
O tênis de mesa é um esporte intermitente, composto por esforços de alta intensidade e com duração média por volta de 3 a 4 s. Isso mesmo, 3 a 4s de duração média de rali (ponto). Por mais que existam pontos com duração maior, assim como há pontos decididos após o saque, a duração média do ponto é por volta dos 3s. Em um estudo escrito por mim em 2010 e publicado na revista americana JSCR, foi reportado que, durante um jogo oficial de tênis de mesa, ~90% dos pontos duram entre 1,5 e 4,5s, enquanto os intervalos de recuperação entre cada ponto abaixo de 10s compõem por volta de 70% de toda a recuperação.
Ao analisar a questão temporal associada à baixa resposta do lactato no sangue (o lactato é produto final do metabolismo glicolítico), torna-se nítido que o principal metabolismo energético durante um ponto no tênis de mesa é o metabolismo ATP-CP, que utiliza como fonte de energia a proteína creatina fosfato armazenada em nosso músculo e não produz lactato e acidose muscular (sensação de queimação nos músculos). No entanto, ao analisarmos a duração total de uma partida, por volta de 15 minutos em jogo de 5 sets, também observamos a importância do metabolismo oxidativo (aeróbio). Nesse caso, o metabolismo aeróbio tem uma função importante na recuperação fisiológica e energética entre cada ponto, assim como possibilitar disputar ralis repetidos e prolongados.
Com isso, podemos dizer que o metabolismo de ATP-CP é o mais importante para disputa dos pontos no tênis de mesa, possibilitando o fornecimento de energia para golpes potentes e rápidos, enquanto o metabolismo aeróbio recupera a nossa “bateria” do sistema ATP-CP entre cada ponto. Por isso, sempre devemos considerar esses fatores quando planejamos o treinamento de tênis de mesa, pois as adaptações que ocorrem com o treinamento são específicas para cada sistema energético e devemos treiná-las de modo específico.
Aqui vai um exemplo prático: fazer lançamentos de um balde inteiro de bolinhas por 1 minuto ou mais, o que deixará o atleta exausto após o exercício, demanda a utilização do sistema glicolítico para produzir energia, que quase não é utilizado no tênis de mesa. A sensação de ardência e queimação nas pernas é um sinal da atividade do sistema glicolítico pela acidose no músculo. Nesse esforço, o atleta estará enfatizando um metabolismo energético não muito utilizado no tênis de mesa. É como se você tivesse um carro híbrido (elétrico e gasolina) que só utiliza gasolina quando a velocidade está acima de 60 km/h, mas dirigisse quase sempre abaixo de 50 km/h. Ou seja, estaria usando quase sempre a fonte elétrica, mas com a preocupação apenas de abastecer com gasolina, em vez de carregar a bateria.
Outros trabalhos realizados sobre a minha condução também demonstraram que o metabolismo ATP-CP de jogadores ofensivos foi significativamente associado com o número de troca e a intensidade do rali. O atleta com maior capacidade do sistema ATP-CP disputa o ponto com maior intensidade e o finaliza primeiro. No entanto, a capacidade física aeróbia foi associada com a duração do ponto para atletas all-round, mostrando a importância do treinamento cardiorrespiratório (longa duração e volume) para a manutenção de esforços de duração mais longa.
O ponto chave aqui é planejar o treinamento conforme as demandas de jogo, respeitando as vias metabólicas ativas, pois as adaptações são sempre específicas (para o músculo treinado e metabolismo), a duração do ponto e o intervalo ocorrido entre cada ponto. Em resumo, de modo geral, o treino deve ser uma simulação do jogo oficial, possibilitando adaptações específicas para possibilitar um maior rendimento.
A condição física não parece ser um fator determinante no tênis de mesa, mas certamente é um fator limitante. Como costumo comentar com alguns colegas, posso estar em excelente estado físico, mas se o psicológico não está bom ou se a estratégia de jogo estiver errada, a condição física não me fará ter um bom desempenho na partida. De mesmo modo, um bom estado psicológico e uma boa estratégia sem uma boa aptidão física não farão o atleta ficar mais rápido e potente em seus movimentos. A integração de diversos fatores é a “chave” do sucesso.
FONTE: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24149139/
*O Dr. Alessandro Zagatto é Doutor em Ciências da Motricidade – UNESP e Docente do Departamento de Educação Física UNESP – Bauru-SP